A prematuridade e os desafios da amamentação

É muito comum eu me deparar, principalmente em grupos de apoio à amamentação, com relatos de mães de bebês prematuros que não conseguiram amamentar exclusivamente seus bebês. A amamentação por si só já envolve tantos mitos que fazem com que a mesma seja desestimulada e, me parece que quando estamos falando de bebês prematuros, a coisa parece piorar. A ideia deste post é justamente poder ajudar as muitas mães de bebês prematuros que desejam amamentar exclusivamente, trazendo informações preciosas e algumas estratégias que podem auxiliar a ultrapassar as barreiras que aparecerem pelo caminho, a prematuridade e os desafios da amamentação.
Claro que quando falamos de prematuridade, devemos ter em mente que as situações enfrentadas podem ser as mais diversas, uma vez que há uma grande variabilidade de quadros clínicos e tempos de internação (a idade gestacional, bem como as intercorrências e riscos existentes em cada caso, variam bastante). Contudo, é sempre importante lembrar que, independentemente disso, o leite materno sempre será de extrema importância e pode fazer uma grande diferença na vida daquele bebê.
Começo então este texto apontando 3 grandes benefícios do leite materno a um bebê prematuro:
1) Ele protege contra infecções: sabe-se que os muitos anticorpos produzidos pela mãe são transmitidos aos bebês através do leite materno e por isso ele é muito poderoso no combate às infecções que porventura possam ocorrer;
2) Ele possui fatores de crescimento que auxiliam na maturação e desenvolvimento da criança, principalmente do sistema digestivo. Nesse sentido, ressalto que pesquisas indicam que bebês prematuros que recebem leite materno apresentam um risco bem menor de desenvolver uma doença grave chamada enterocolite necrosante, em que há morte de parte do intestino;
3) A composição do leite materno varia de acordo com a idade gestacional do bebê: curiosamente (e aí, ressalto a perfeição da nossa natureza), o leite produzido pela mãe de um prematuro difere do leite de mães que tiveram seus bebês a termo, pois ele contém exatamente o que aquele bebê precisa. Pesquisas indicam que o leite produzido por mães de bebês prematuros possuem algumas substâncias em maiores níveis como nitrogênio, sódio, ferro, ácidos graxos, além de outros componentes que promovem o desenvolvimento adequado do sistema imunológico e digestivo, evitando o surgimento de infecções e favorecendo seu adequado desenvolvimento global.
Bom, mas daí você me pergunta: “Como fazer quando um bebê prematuro ainda não pode mamar diretamente no seio da mãe?” Sabemos que essa é uma situação comum, pois os bebês prematuros muito frequentemente começam sua vida recebendo nutrição por meio de uma sonda. Quando ainda não se pode garantir uma ingesta segura “direto da fonte” (falarei mais adiante como avaliamos isso), há algumas coisas que as mães podem e devem fazer que favorecem o estabelecimento da amamentação, conforme descrevo a seguir:
1) Expor seu desejo de amamentar à equipe é o primeiro grande passo dessa jornada;
2) Buscar orientações com relação à existência de banco de leite no hospital e maneiras de se ordenhar, se informando também sobre as rotinas hospitalares para que você possa utilizá-las em seu favor;
3) A ordenha frequente (e o consequente esvaziamento da mama) ajuda na manutenção da produção láctea e permite que o bebê receba o leite da própria mãe. Recomenda-se que sejam realizadas pelo menos de 6 a 8 ordenhas num período de 24 horas.
4) Contato pele a pele: essa, ao meu ver, é uma das armas mais poderosas que uma mãe pode ter em benefício do seu bebê, pois passar tanto tempo quanto for possível junto dele é de extrema importância para o seu desenvolvimento. Diversas pesquisas têm indicado os muitos benefícios do Método Canguru, também utilizado em algumas maternidades brasileiras, como: o ganho de peso tende a ocorrer de maneira mais rápida, o bebê passa por menos situações de estresse, ficam mais estáveis clinicamente, e a alta hospitalar ocorre, em geral, mais precocemente. Além disso, nota-se que a amamentação possui maior fluidez e tende a durar mais tempo quando há o contato pele a pele freqüente durante a permanência no hospital, e existem evidências de um aumento da produção láctea nas mulheres quando estas passam mais tempo em contato com seus bebês.
Não menos importante: mães que praticam o contato pele a pele tendem a ter mais auto-confiança ao longo do processo e conseguem se conectar mais facilmente com os seus bebês. Mesmo nas situações em que a amamentação não é possível nos primeiros dias ou semanas, permitir que o bebê sinta seu calor e seu cheiro, alinhar coração com coração e trocar olhares com ele podem fazer toda a diferença!
5) Buscar apoio: acompanhar a jornada de um bebê prematuro, na grande maioria das vezes, não é nada fácil, por isso buscar ajuda, conversar com outras mães que passaram por isso, tanto presencialmente como em grupos da internet, são experiências riquíssimas. Quando meu bebê vai mamar no meu peito? Essa é uma pergunta frequente e muitas vezes carregada de angústia e tristeza pelas mães que frequentam por longos períodos uma unidade de UTI neonatal. Embora muitos serviços de saúde considerem que somente a partir de 34 semanas de gestação o bebê encontra-se apto a mamar, cada vez mais temos visto que muitos bebês prematuros são capazes de mamar nos seios de suas mães antes disso. Mas para que isso seja possível, deve haver oportunidade. Evitar o uso de bicos artificiais e fazer uso do copinho quando houver necessidade de ofertar o leite ordenhado por via oral na ausência da mãe são fatores importantes que contribuem para o sucesso do aleitamento materno.
Em geral, a transição da via de alimentação alternativa (sonda) para a via oral é feita a partir da avaliação do fonoaudiólogo, profissional que compõe a equipe multiprofissional que atende aos bebês prematuros. Considera-se essa transição normalmente quando o bebê se encontra clinicamente estável e apresenta um bom padrão respiratório. Ao avaliarmos um bebê prematuro, muitos fatores são observados e considerados, dentre eles a prontidão do bebê, seu padrão de organização postural, presença de reflexos (procura, sucção), coordenação sucção-deglutição-respiração, efetividade da mamada, presença de sinais de estresse durante a ingesta etc. O acompanhamento fonoaudiológico diário nesses casos, por meio de exercícios práticos com o bebê, e o fornecimento de orientações adequadas à mãe são diferenciais importantes no estabelecimento da amamentação. A presença constante da mãe na unidade permite que a mesma acompanhe de perto os progressos do seu bebê, além de favorecer a livre demanda, que é de grande importância tão logo o bebê esteja apto a mamar em seu seio. Quanto mais o bebê mama, mais leite a mãe produz! Quanto mais o bebê mama, mais ele se torna eficiente em mamar! Essa é a lógica da amamentação e isso não seria diferente para um prematuro.
Os prematuros podem e devem mamar nos seios de suas mães! Lutemos por isso nas UTIs neonatais, façamo-nos presentes, não por capricho, mas por direito. Direito à saúde, direito ao vínculo precoce com nossos bebês, direitos esses que devem ser respeitados!
Até a próxima!
Isa Crivellaro

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