Incontáveis já foram os relatos que li sobre desmame orientado por profissionais médicos quando do diagnóstico de alergia alimentar em bebês (principalmente em casos de APLV). Isso é absolutamente lamentável e por isso convidei alguém em quem eu confio muito pra falar com maestria sobre esse assunto.
Tô muito feliz em poder compartilhar com vocês um texto elaborado pela Heloize Milano. Não conheço a Helô pessoalmente (e confesso que esse tal de Facebook me apresentou muitas pessoas singulares e especiais!), mas tenho um carinho e uma admiração enormes por ela. A Helô é bióloga de formação, mãe da Carmen e do Angelo, ambos alérgicos, e uma das mulheres mais porretas que já conheci. De uma inteligência ímpar, não aceita de cara tudo que falam pra ela não! Ela pesquisa, estuda, busca informação de verdade e contesta se for preciso. É também uma mãe leoa, que não mede esforços quando o assunto é a saúde dos filhos e o tema que ela traz hoje é muito importante: alergia alimentar e amamentação. Eu amei o texto que ela fez pra gente, recheado de boa informação e links importantes! E ó, semana que vem tem mais, porque o assunto não acaba por aqui! Aproveitem!
Muitas mães sabem que, embora a amamentação seja algo natural, muito raramente é algo fácil. Acho que não minto quando digo que, para a imensa maioria de nós, iniciar, estabelecer e seguir com a amamentação envolve muito mais do que ignorar os diversos mitos que cercam o assunto e superar a falta de profissionais humanos e qualificados que poderiam sanar dúvidas iniciais, ajudar com a pega e facilitar o processo. Especialmente quando a gente pega os números e verifica que a prevalência de aleitamento materno exclusivo no Brasil é de míseros 54 dias e que a duração média de aleitamento é de cerca de 11 meses, temos a dimensão de que amamentar está mais para um desafio! Pois bem, imagine, então, o quanto a amamentação pode ser abalada por um diagnóstico de alergia alimentar no bebê. De uma forma ou de outra, os bebês com reações alérgicas alimentares parecem estar sempre sob o risco de desmame abrupto e mal indicado. Eu vou explicar melhor.
As reações alérgicas no bebê podem aparecer nos primeiros dias de vida e outras vezes já em um aleitamento bem estabelecido.
Conheço inúmeras mães que, diante das incertezas e da falta de intervenção adequada em uma situação de alergia alimentar manifestada pelo bebê, foram erroneamente aconselhadas a desmamar para estabilizá-lo, sem que fossem apresentadas alternativas ou que ao menos lhes fosse explicado o quão nociva essa indicação poderia ser sob os mais diferentes aspectos. Isso também aconteceu comigo e também fui orientada a desmamar (diversas vezes, diga-se de passagem, e nem sempre isso estava relacionado à alergia alimentar). Mas na época em que a minha filha recebeu o primeiro diagnóstico de alergia, com 1 ano e 8 meses, a alergista me disse durante a consulta para preencher a solicitação de fórmula especial e desmamar. E só, passar bem. Ei? Hã? Naquele momento, me sentindo insegura com relação às orientações por ela fornecidas, eu que sou e sempre serei em prol da amamentação, resisti à pressão e, mesmo sem ter noção da profundidade da questão, me empenhei e saber mais sobre. Vim a descobrir, bem mais tarde, que essa conduta era frequente. Aí, como “sou dessas” que acredita que somente com acesso à informação de qualidade conseguimos tomar decisões conscientes e embasadas, especialmente quando a questão diz respeito ao desenvolvimento e a saúde dos nossos filhos, proponho levantar alguns pontos para reflexão.
Antes de tudo, é preciso situar a todos sobre o que vem a ser a alergia alimentar. Primeiramente, alergia alimentar não é uma coisa banal, como muita gente pensa. Não é alucinação, frescura, carência e muito menos algo que “está na moda”. Alergia alimentar é uma condição que exige constante atenção, uma vez que, sem os devidos cuidados, há grande comprometimento do desenvolvimento e a qualidade de vida dos pacientes acometidos. Para dar uma ideia da dimensão do problema: de acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) na faixa etária de zero a 3 anos, de 6 a 8% apresentam ou irão apresentar reações alimentares de causas alérgicas (maiores detalhes nesse link aqui).
Eu tenho dois filhos com alergia alimentar. Puxa, dois alérgicos?? Pois é. Existe predisposição genética para a condição e os estudos indicam que até 70% dos pacientes com alergia alimentar possuem história familiar de alergia. E existem outros fatores que aumentam a probabilidade de alergia alimentar (veja a declaração do presidente da ASBAI aqui e uma reportagem sobre isso aqui ). Com o meu filho mais novo tive a sorte de identificar as reações via leite materno com poucos dias de nascido, muito antes da introdução alimentar. No entanto, a mais velha, apesar de ter apresentado inúmeros sinais durante seu desenvolvimento, foi diagnosticada tardiamente, quando a questão alérgica tomou uma proporção que comprometia sua saúde de forma significativa.
O que acontece é que, embora as reações mais comuns envolvam a pele (urticária, inchaço, coceira, eczema), outros sintomas, como doença do refluxo gastresofágico, distensão abdominal, diarréias, muco nas fezes (as vezes sangue) baixo ganho ponderal e/ou infecções respiratórias de repetição, são indicativos de um quadro alérgico (veja mais a respeito aqui). Tais sintomas, no entanto, podem ser (e muitas vezes são) confundidos com questões normais e corriqueiras do desenvolvimento do bebê. Porém, diferentemente das “questões normais e corriqueiras”, esses sintomas são persistentes e não desaparecem conforme o bebê se desenvolve e, pior, acabam se agravando. Como o diagnóstico nem sempre é óbvio, a alergia alimentar acaba sendo muitas vezes sub-diagnosticada, fragilizando o organismo. Muitas vezes, por falta de entendimento da questão alérgica ou de atualização na área, falta ao profissional da saúde ferramentas que permitam uma intervenção adequada. E é nesse ponto que os bebês correm o maior risco de desmame abrupto e mal indicado.
Desmamar abruptamente na tentativa de estabilizar a criança é um gatilho que tende a deixar sequelas psicológicas tanto na mãe quanto no bebê. Como mãe, mas também como bióloga, eu gostaria que os profissionais da saúde refletissem por um minuto antes de sugerir esse disparate para qualquer mãe. Muito mais do que apenas fonte de nutrição, o seio da mãe é fonte de segurançae conforto emocional. Oras, se a amamentação é o início da comunicação entre mãe e filho, não parece óbvio que a retirada repentina do seio possa causar algum trauma emocional na criança e na mãe? Exigir ou sugerir um desmame como única alternativa para a estabilização da criança, muitas vezes afirmando que o leite materno “está fazendo mal” para o bebê ou já admitindo por meio de inverdades que o leite materno é “fraco” ou “água”, é uma conduta, no mínimo, recriminável.
Mães de alérgicos precisam saber que o consenso atual sobre alergia alimentar NÃO indica o desmame de bebês em aleitamento materno (veja nesse link: AQUI). Pra que fique claro: o desmame NÃO É INDICADO. De acordo com as orientações, o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses deve ser encorajado e a amamentação deve permanecer prolongadamente. Sim, A AMAMENTAÇÃO DEVE PERMANECER!
Quando a criança em aleitamento mantém sintomas de alergia alimentar, a mãe deve, então, ser submetida a uma dieta isenta do alérgeno. Já ouviu a frase “mãe de alérgico, alérgica é”? Pois é, para manter o aleitamento é preciso seguir a dieta com rigor, já que um pedacinho faz muito mal para o bebê alérgico. Não é fácil, especialmente no início, e muitos bebês demoram para estabilizar. É preciso se familiarizar com os termos e ter em mente que utensílios, traços, cosméticos, contatos indiretos são fontes de contaminação e podem (dependendo da sensibilidade da criança) provocar reações alérgicas (leia mais sobre isso AQUI).
Mas é possível. É muito possível (e recomendado)! As mães precisam saber que o leite materno é curativo e, portanto, o aleitamento deve ser sim incentivado sempre.